Quando um coração idoso para de
bater não há como evitar a sensação de tristeza, mas é algo compreensível. A
morte é esperada assim: para pessoas bem velhinhas, que viveram muito,
aproveitaram os anos e já deixam seus corpos fracos das experiências. Quando
alguém idoso parte a morte não deixa de ser dolorosa, porém fica compreensível.
Mas e quando um coração que ainda
nem começou a viver pro mundo para de bater? Como explicar? Como entender? Como aceitar?
Um coração de quase dez semanas
de vida deveria ser forte, bater bravamente, com aquele barulho deliciosamente
ensurdecedor que toma conta da sala de ultrassom. Um coração que existe há
apenas dez semanas não pode parar assim, de repente. Esse coração tem mais uns
80 anos, no mínimo, para continuar ritmando.
A vida que estava crescendo
dentro de mim não pensa assim.
A vida que estava crescendo
dentro de mim cumpriu seu breve tempo e nos deixou em menos de dez semanas.
Há alguns dias tenho procurado
uma explicação para isso. Já gritei, já xinguei, já chorei até faltar o ar, até
entupir o nariz, até doer os olhos. Já chorei tanto que, juro, senti o coração
doer, o pulmão falhar. Chorei de dor, de tristeza e depois de raiva, de ódio,
de mágoa.
Agora não consigo mais chorar,
mas ainda sinto um ódio que está me fazendo mal, mas que não consigo parar de
sentir. Um ódio que me faz questionar tantos porquês sem respostas.
Um dia esse ódio vai passar. Quem
sabe um dia eu vou entender quais motivos de essas coisas acontecerem. Ouvi de
uma pessoa muito amada que Deus não castiga, Deus nos livra. Quem sabe com quais problemas nasceria essa criança?
Não sei mais se acredito em Deus,
honestamente. Mas ouvir isso de alguém que me quer tão bem foi um alívio, um
acalento. Ela me disse por telefone e eu senti como se fosse um abraço.
Às vezes tudo o que a gente
precisa é de reclusão. Eu precisei e fiquei comigo mesma por uns dias. Agora
preciso de gente por perto. Preciso de amor, de amizade, de risada. Preciso das
pessoas à minha volta para sentir que não sou uma pessoa ruim, que não fui
punida. Preciso estar bem comigo mesma para voltar a sentir que as coisas têm
um motivo para acontecer e que eu sempre soube que a vida não é fácil, tampouco
perfeita. E que isso é só mais uma coisa pela qual nós aqui de casa temos de
passar. Passar juntos, como estamos fazendo. E seguirmos mais fortes e mais
unidos, como sempre fomos.
Não. Não é fácil. Dói tanto que
chega tremer a mão. Chega a franzir a testa. Dói tanto que escurece a vista, enfraquece as pernas.
Mas é preciso continuar. Todos os
dias milhões de corações, no mundo inteiro, param de bater. Nem por isso a vida
deixa de seguir o curso.
O meu coração de dez semanas
deixou de bater. Não vou esquecer isso. Não vou deixar de sentir. Mas eu sei:
eu vou conseguir continuar a viver.
Já é hora de sair desse quarto.
Olá, vida. Estou voltando.