segunda-feira, 6 de abril de 2015

Podia ser minha filha. Podia ser minha aluna.

        Hoje de manhã precisei visitar novamente o ortopedista (hello, bursite!) e fui espectadora de uma cena que não sai da minha cabeça.
    
       Cheguei, peguei minha senha e sentei. Olhei o painel, tinham 12 números na minha frente, abri um livro e saí desse mundo por uns instantes. De repente comecei a ouvir um choro. Choro rouco, de voz grave, gente adulta. Olhei para trás e vi um homem altíssimo, de camisa rosa clara e bermuda branca. Seu rosto, no entanto, destoava de toda serenidade que sua roupa trazia: estava transtornado. O choro era dele, incontrolável, compulsivo e muito, muito triste. A vontade era de levantar e abraçá-lo, seja lá qualquer que fosse o motivo. Mas eu fiquei ali, sentada, como uma grande pessoa indiferente à dor dos outros.
      
     Alguns minutos depois saiu uma mulher de dentro do hospital aos prantos. Encontrou com ele ali na porta e se abraçaram. Choraram mais. Soluçaram. Apoiaram-se. E então ele disse: “e agora, o que eu vou fazer?” E ela: “não sei, eu não sei”.

     Como se não fosse triste o suficiente, chegam duas meninas. Uma criança e uma adolescente. Podia ser minha filha. Podia ser minha aluna. Duas meninas bonitas, usando o cabelo penteado como minhas alunas usam, com aquelas roupas que minhas alunas adoram. Duas meninas assim: dessas que a gente vê o tempo todo. Elas chegaram, olharam para o homem e ele não disse nada. Abaixou a cabeça. Então, a mais velha gritou: “Nãaaao! Pai, diz que não!” Ela sentou/desabou no chão e pôs-se a chorar. A mais nova, que também podia ser minha filha, minha sobrinha, minha aluna, olhou para a irmã no chão e sentou ao lado dela. Choravam juntas, copiosamente. Foi desesperador.

    E eu ali, sentada, querendo levantar, pegar todo mundo no colo e levar pra casa. Mas não me mexi. Só olhava ansiosa pro painel, doida para chamarem meu número e voltar pro meu mundinho onde ninguém estava em apuros. No entanto, Murphy vive e ainda tinham 8 números na minha frente.

   A família continuava ali, chorando, se abraçando, tentando entender. Os conhecidos iam chegando, choravam e se apoiavam juntos e a adolescente então disse: “Eu não quero enterrar a minha mãe, pai!” Olhou para a mulher que havia saído antes aos prantos de dentro do hospital e pediu: “Tia, por favor, tia, me ajuda”.

     Não aguentei. De espectadora passei a personagem. Baixei a cabeça e senti meu olho umedecer e a respiração fraquejar. Estava ali, ao meu lado, uma família que acabava de sofrer precocemente a dor da morte. E ninguém podia fazer mais nada. Eram 8 horas da manhã de uma segunda-feira e aquelas pessoas não podiam esperar mais nada de bom para esta semana.

     Foi chegando cada vez mais gente ali com eles e minha senha finalmente foi chamada, para aliviar minha culpa pela inércia. Levantei e fui para a triagem pensando que havia acordado com muita dor no braço, atrasada, irritada, tendo que ir pro trabalho e cheia de coisas para resolver e pagar nessa semana: ou seja, acordei reclamando de tudo, brava com o novo dia, com a nova semana, com a chegada da segunda-feira.

   Quando cheguei dentro da sala da triagem, o enfermeiro, alheio a tudo que estava acontecendo do lado de fora, me perguntou: “e então, qual é o seu problema?" Eu ia começar a dizer tudo quando engoli seco e respondi:


    - Nenhum, moço. Definitivamente, eu não tenho problema nenhum.