Tem um livro muito legal, escrito pela jornalista
Milly Lacombe, que tem esse título: "Tudo é só isso". Trata-se de uma reunião de
crônicas e relatos pessoais que emocionam e nos apresentam ao universo sensível
da autora, que até então, era desconhecida para mim. Gosto muito do livro e de
quebra, passei a gostar da Milly. Mas a frase que dá nome ao livro não me sai da
cabeça há alguns anos, desde que o comprei.
Muitas vezes, em meio a tantos problemas ou a
tantos medos - quando acaba, eu penso: "foi só isso?". Porque a gente chora
tanto, se estressa tanto, se preocupa tanto e quando passa, fica um vazio, um
oco tão grande, que a sensação de "eu sou só isso" é enorme.
O mesmo acontece com coisas boas também. Meu
casamento, por exemplo. Foram meses planejando, sonhando, idealizando. E aí,
quando aconteceu, foi tão rápido, eu nem vi direito. E fica a sensação: "tudo é
só isso".
Na semana passada essa frase me seguiu de novo.
Foi um sábado difícil para mim e pro meu irmão de vida. Foi o dia de tirarmos as
coisas dela de casa. Meio que um ritual que marca, de uma vez
por todas, a sua partida. E de repente, anos e anos de uma vida muito bem vivida
estavam lá, em cima de uma cama, sendo separados para doação ou para o lixo. Por mais
que cada peça tivesse a presença dela tão forte na gente, eram só coisas
materiais, que nada mais servem, de nada mais são úteis. E é aí que a gente entende o significado de: "dessa vida a gente
não leva nada".
O que ela foi em vida e o que ela ainda
representa pra gente é muito maior do que qualquer coisa que estava em seu
guarda-roupa. Em quase duas horas, quase 48 anos de vida foram ensacados e
separados. A única coisa palpável dela agora é a nossa saudade, que é tão densa
que precisa de um assento a mais no carro.
E quando tiramos tudo, olhamos pros sacos, saímos do quarto, sentamos e choramos. Mas não choramos pelas roupas. Choramos porque agora temos
a certeza de que ela não volta. Acabou a ilusão de que ela ainda está no
hospital e em breve estará conosco. E depois, choramos por nós mesmos, por não
aceitarmos que nem tudo acontece como a gente quer. E choramos porque sentimos muito a falta dela.
Mais tarde, conformados, nos reunimos com os
demais - meu marido e meu filho, a filha dela. E rimos a noite toda. Andamos
pelo shopping. Comemos a comida árabe que ela adorava. Fizemos planos para as
férias, que estão tão próximas. Compramos brinquedos pras crianças. E nos
despedimos com um abraço tão forte que diz exatamente o quanto somos importantes
um pro outro. Porque ela se foi fisicamente. Mas o que ela deixou está vivo e
quer continuar forte.
E os sacos com seus pertences são apenas
sacos.
O que ela vale para a gente ficou no nosso
coração e na nossa memória.
Porque, afinal de contas, a vida é assim: "tudo é
só isso".